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domingo, 18 de novembro de 2012

Lisboa Velha

Lisboa Velha
 
A ILUSTRAÇÃO: Lisboa Velha (1925)
 
 
EXPLICAÇÃO
Não esquecerei jamais a impressão de sumptuosidade e de admiração que senti quando, ahí por Fevereiro de 1874, vindo da minha humilde aldeia, entrei em Lisboa. Não tinha visto até então mais do que os casebres dos modestíssimos lavradores a cuja família me honro de pertencer.
A Lisboa do fim do século xix, e especialmente a cidade baixa, caracterisadamente pombalina, apesar do seu fraco movimento e da monótona harmonia das suas construções, impressionaram o meu espírito de provinciano ingénuo, moço e ignorante, como a ultima palavra do urbanismo estonteante das capitaes.

Começava n'essa ocasião o assentamento da linha de Carris de Ferro Americanos, do Terreiro do Paço ao Conde Barão, e existia, não havia muito, a carreira de vapores de rodas para Alcântara e Belém, de cuja opulenta frota fazia parte o roncador e cuspinhento vapor Progresso, com seu simbólico titulo de arrojado meio de transporte, e no qual tantas vezes embarquei.

Conheci eu mui particularmente as ruas de S. Paulo e da Bôa Vista, e comquanto ligassem a parte ocidental da cidade com a baixa, não eram então, e apesar de tudo, mais movimentadas do que é hoje qualquer rua dos bairros excêntricos.
Sob o ponto de vista pitoresco, julgo terem sido estas ruas as mais características, e de mais surprehendente efeito perspético, o qual lhes vinha do seu arco e da sua longa fila de prédios desegualmente altos, e em cujas fachadas haviam enxertado remates de variadissimas e graciosas curvas -evolução lógica da frontaria típica dos séculos anteriores.
Breve porem, estas ruas, e as do resto da cidade, passaram infelizmente pelas maiores e mais desconchavadas transformações e, mais por preversão do gosto do que por necessidades de facto, foram as construções pombalinas e os seus lindos pormenores, sendo substituídos pelas correntezas de banalissimos casarões de platibanda, cheios de reles exotismo, os quais, por minha desgraça e de alguns outros, que assim pensam, somos, quaes passageiros deste outro «Progresso» - obrigados, bem constrangidamente, a olhar todos os dias.

Vêm estas linhas para justificar e assignalar o desgosto profundo que desde sempre venho sentindo ao ver destruir-se todo o pitoresco de Lisboa, desgosto hoje corrente, mas que mercê da minha edade fui, talvez, dos primeiros a sofrer.
Essa sincera mágua e uma natural e saudosa atração pelas coisas do passado, levaram-me, desde ha trinta anos, a pintar em aguarelas, a desenhar e a documentar graficamente conforme pude e soube, todos os pormenores que pouco a pouco iam desaparecendo da fisionomia da cidade, tarefa onde puz o melhor dos meus esforços e o carinho muito verdadeiro que consagro ás coisas da minha Terra. Essa tarefa é este livro - e eu não sei dizer melhor das suas intenções.

Affonso Lopes Vieira, que me acompanha com a sua alma de grande poeta e de grande português, melhor do que eu próprio me explicará.
Daqui pois lhe agradeço do fundo do coração as palavras com que ilumina as minhas despretenciosas e modestas notas gráficas.
Roque Gameiro.

PRÓLOGO DO AUTO DA LISBOA VELHA,
por AFFONSO LOPES VIEIRA
Gentileza do amigo Fernando N.
JJ edição fotos

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