"O MAIOR INIMIGO DA CRIATIVIDADE É O BOM-SENSO" Picasso. Sem pretensões, que não sejam as de mostrar;

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sexta-feira, 11 de setembro de 2009


Eu e a Cidade do Porto

Custa-me sempre de cada vez que faço esta afirmação, mas sendo nado e criado em Lisboa filho de pais Lisboetas, tenho ao longo dos anos observado com imensa pena uma arcaica e persistente rivalidade Lisboa/Porto, há tantos anos, como aqueles em que me conheço.

Comecei a aperceber-me e a observar este triste fenómeno, mais concretamente no serviço militar.
Todos os meus amigos e conhecidos Lisboetas, de uma forma geral alimentam essas torpes rivalidades, refinadas com as tristes cenas habituais nos futebois cá do Burgo.

São sentimentos e atitudes de baixo nível, que reflectem muita pobreza de espírito, tacanhez mental, e que foge ao meu entendimento.

Vou narrar duas pequenas histórias bem significativas, sendo protagonistas gentios da Invicta e mui nobre cidade do Porto.

A primeira, passa-se no quartel do, então RAAF - Reg. Art. Antiaérea Fixa, frente ao Palácio de Queluz.

Houve uma proximidade entre eu e um camarada do Porto, indivíduo muito educado, pacato, e que odiava a tropa tanto ou mais que eu.

Como na época, vivendo com meus pais, e na linha de Sintra a quinze minutos de comboio do quartel de Queluz, todos os fim de semana e por vezes com “desenfianços” intercalares durante a semana, ia a casa reabastecer-me de víveres e graveto.

Esse camarada de armas e já amigo, nunca saía à noite nem de fim semana, e comecei a notar alguma dificuldade em alimentar os seus simples víciositos da juventude, como os cigarritos, cervejitas etc.

No entanto nunca lhe ouvi o mais leve desabafo.

A sua vida civil era trabalhar num circo modesto, segundo ele, onde como acontece habitualmente tinha que deitar mão a todo o tipo de lides para sobreviver.

Um dos seus métiers preferidos, era o de fazer truques mágicos e prestidigitação com cartas, e era exímio, na quantidade, variedade e dificuldade dos truques, deixando o pessoal de boca aberta.

Todas as noites lá angariava uns cobres com estes serões mágicos, sempre com uma plateia de mancebos garantida.

Tinha um truque de cartas, que me abismava...ficava simplesmente extasiado, eu e todos, tal a complexidade da coisa.
Era tal o pormenor técnico, que nunca o repetia nessa noite.

Aumentava sempre o número de espectadores para ver o show.

Só o fazia quando muito bem queria. O pessoal que esperasse !!

Cada vez se prestava mais atenção ao desenvolver da mágica, olhos fixos no trabalho de mãos, mas nunca ninguém conseguiu vislumbrar a mínima pista.

Eramos inseparáveis, e com ele repartia os petiscos, principalmente panadinhos e pataniscas feitos por minha mãe, que ambos adorava-mos, merendinhas de carne, peixinhos da horta, etc.

Tanta vez o chatiei para me ensinar aquele fabuloso truque de cartas, mas a resposta dele era sempre a mesma:

- É pá, isto é o meu trabalho, a minha vida, isto não se ensina !!

Andei anos atrás do meu pai com o mesmo pedido que me fazes, mas ele só perto da morte mo ensinou, mas tive que jurar que nunca o revelaria a ninguém, excepto a alguém que merecesse e eu achasse justificar-se, mas sempre exigindo confidencialidade absoluta.

Passados tempos, decifro uma msg anunciando-me a mobilização para a Guiné.
Fiquei destroçado...logo a Guiné, a pior das Colónias em termos de guerra e clima.

O terror de todos os militares espectantes da mobilização para a Guerra de África, e que rezavam a todos os santinhos, para que nunca lhes tocasse a Guiné.

Disse-lho nessa noite, e ele ficou-me a olhar com uma tristeza imensa, levantou-se, deu-me um abraço, e disse que ia-mos beber uma cerveja, convite dele, frisou.

Lá fomos beber a mini, não uma, mas, para a primeira não se sentir só, acompanhamos com mais uma série delas !!

Já perto do recolher, disse-me para o acompanhar à caserna.
Sentamo-nos na cama, tirou o baralho de cartas do bolso, e retorquiu:

- Fiquei muito triste por teres sido mobilizado, e logo para a Guiné...mas vai tudo correr bem.

Agora um pequeno agradecimento, para que, na Guiné, fiques sempre recordando os bons momentos, que mesmo assim, aqui temos passado.
Vou-te ensinar, o truque de que tanto gostas OK, mas vais-me jurar pela tua mãe, que nunca o ensinas a ninguém, excepto a quem vejas que merece, como é o teu caso agora, e só a uma pessoa !!

Nunca fui de juras, mas acedi.

Concordei, aprendi o truque, ensaiei com cuidado e até hoje, só ao fim de alguns anos o ensinei a um cunhado jovem, quando prestes a embarcar para a Guerra de Angola.

Tenho feito inúmeras vezes esta “habilidade” e não há dúvida que o espanto das pessoas é sempre surpreendente.

Este foi o meu primeiro grande amigo do Porto, que ainda hoje recordo com aquele forte sotaque do Bolhão.

Fiz já em Tite-Guiné Bissau, mais dois grandes amigos do Porto; Um Rádio Telegrafista, do melhor que havia (o da cena do tiro dentro do posto de rádio, história narrada no Blog de memórias da Guerra Colonial "http://bart1914.blogspot.com/) e um outro, que com pena, já não recordo pormenores.

Segunda história
A firma onde trabalhava, tinha filial no Porto, praticamente em frente à Esquadra do Paraíso.

Sempre que se fazia uma Feira ou Exposição no Porto, a filial ficava virada do avesso, com as mudanças de expositores, maquinaria, ferramentas etc, etc.

Reposto de volta todo o arsenal, e regressando o resto da equipa a Lisboa, teria que pós feira reexpor tudo, o que me permitia estadas de dias e semanas na Invicta.

Adorava este trabalho.

Optava ir almoçar por volta das duas horas, com os restaurantes já praticamente vazios, e então era o repasto dos príncipes.

Todos os dias escolhia um novo poiso, e todos os dias me regalava com a excelente comida, que regra geral, à época o Porto servia.

Apercebiam-se pelo sotaque que não era daquelas bandas, não só pelas perguntas, como pelos termos (lá me fugia a bica e o garoto) e estranhava a curiosidade das pessoas sobre o porquê da minha estada na cidade, o que eu, com agrado, satisfazia a curiosidade, e nalguns casos, ficava convidado para o jantar, com uma ementa a pedido.

Sentia neles, o prazer e orgulho de satisfazerem sempre com o melhor.

Aquele arroz de feijão, aquelas pataniscas, o cozido com carnes fumadas e couves divinas, sempre arroz branco com todos os pratos, as tripas com sabor a ervas, aquelas rabanadas com vinho do Porto....hummmmm !!

Lisboa, nesse aspecto é uma catástrofe, com excepção de alguns restaurantes “estrelados”, embora a escolha hoje em dia já seja muito melhor e variada, não tendo já nada a ver com aquela época.

O Palácio de Cristal, durante anos foi o único local onde se realizavam Feiras e Exposições na cidade do Porto.

Embora o local seja bonito, donde, bem perto, se desfruta uma vista excelente sobre o rio Douro e a cidade, era tremendo trabalhar naquele reduzido espaço exterior com viaturas pesadas carregadas de máquinas volumosas e pesando toneladas.

Demoravam mais as cargas e descargas que montar os Stands, e então de Inverno, era o fim do mundo.

Certa vez um expositor transtornado por tanto obstáculo e burocracia para a entrada de uma máquina enorme para o seu Stand, vai à cabine do camião, saca de uma pistola e desata aos tiros para o ar !!...lá conseguiram acalmar o homem que estava possesso.

Acreditam que passada uma hora tinha o enorme Centro de Maquinagem dentro do Stand ?

Estes certames realizavam-se sempre em final Outubro princípio Novembro, e o Inverno no Porto não é brinquedo.

No fim de um dia de montagem, já noite cerrada, cerca das 20 horas, tinha combinado com o colega que tinha ido à filial com a viatura, que já não voltasse devido ao trânsito, pois apanharia um taxi e logo via-mos onde jantar.

Se o tráfego hoje no Porto e em qualquer lado é um stress, naquele tempo a zona do Palácio em época de exposições era uma calamidade.

Chovia, aquela chuva miudinha molha tolos e eu sem chapéu de chuva, ali plantado à porta do Palácio, esperando um taxi, mas qual quê...

Era muito diferente o serviço de taxis no Porto.

Muitas viaturas não tinham identificação como em Lisboa, e normalmente quem queria taxi telefonava para as centrais.

Cada vez mais molhado, sem hipótese de me abrigar, enregelado, mal dizia a minha vida !!

De repente ouço chamar:

- Ó sê J...sê J...é homem, venha cá.
Era um dos pintores contratados que estava a trabalhar no nosso Stand, que me reconheceu.
Estava à porta dum tasco pequenino mesmo em frente do outro lado da rua D. Manuel II.

Estranhou aquela minha figura ensopada, atravessou a rua, e levou-me para dentro da “capela”.

Expliquei o porquê de ali estar, e o jovem desata a rir...aqui não é Lisboa, os táxis chamam-se por telefone, não se espera por eles na rua !!??

Logo com ar desenvolto, vira-se para o anafado dono da tasca, e disse: - Ó Fulano... chama aqui um táxi para o nosso amigo, mas diz para daqui a meia-hora.
-...meia hora !!...porquê meia hora, perguntei:

- Então sê J... ia-se embora sem provar aqui estes petiscos e beber uma malga de verde tinto !!

Excelentes petiscos, e uns “peixinhos da horta” de morrer.
Gírissimo as malgas brancas com que serviam o vinho verde tinto, e de eleição este gesto de um desconhecido.

Também colegas do Porto eram inexcedíveis a receber.
Recomendavam locais, serviam de cicerones...enfim conheci um bom bocado do Porto e arredores guiado por esses grandes amigos Portuenses.

Adorava o restaurante Marina na Ribeira, e escolhia-mos sempre uma mesa do primeiro andar, com teto baixo abobadado e uma vista linda para o Douro e Gaia iluminados.

Num desses jantares, e com toda a noite por nossa conta, prolongamos o excelente jantar numa animada conversa, exactamente sobre a comida do Porto.

O nosso colega de Porto, saiu-se com um grande elogio às ”moletes com presunto”. Ficamos os três Lisboetas a olhar para ele !!
Molete...mas o que é que tem de especial uma OMOLETE ? – Não é omolete é molete !!
- Mas que raio é isso !!?.

Resumindo;

Molete é a nossa carcaça, e acreditem que quando ele explicou a coisa, muito admirado pela nossa ignorância, a galhofa durou toda a noite, e no dia seguinte seringámos o nosso amigo com molete p’rá qui...molete prá li...
Na foto é o colega da esquerda.

Claro que no reverso, quando vinham a Lisboa, chamava a mim o papel de anfitrião, e retríbuia as atenções recebidas de igual modo.

Era praxis a visita ao Bairro Alto, onde há muito também se come bem, variado e muitas vezes caro sem retributo na qualidade e serviço.

Passei grandes momentos de trabalho, de turismo e muito da vida nocturna da cidade do Porto, que tantas vezes me levavam a directas sem ver cama, o que quase me obrigava a por palitos nos olhos para os conseguir manter abertos !!.

Com orgulho digo que tirando Lisboa, o Porto e Braga, onde também exponhamos, são as duas cidades de minha eleição.

Duas cidades, que nas zonas históricas, são totalmente diferentes da capital, dai a minha admiração pelo diferente.

Não há bela sem senão e as tristes figuras e comentários torpes e despropositados, de gentinha básica e reles, mexem comigo.

Não tenho genes para assimilar os meandros do futebol e tudo o que gravita em seu redor.

Não quero, não devo, nem posso, generalizar, mas na realidade, alguns, são uns tristes...mas que chateiam...chateiam !!

Aqui fica esta minha singela homenagem à Cidade do Porto e suas gentes, incluso os adeptos do FCP que não sofram de “cefaleia antimoura aguda”.

ZJ

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